Escrevo


Canibalismo (só para crianças)

Vou bater a máquina, porque de vez em quando pego horror ao computador. Estive pensando nessa história desde ontem, é assim – (não existe estilo para o que vou contar) Aos onze anos, beijei um menino pela primeira vez. Era uma festinha e a sugestão sobrevoou aquelas cabecinhas juvenis. Entre cochichos e segredinhos e confabulações,…

TUDO AINDA INTOLERÁVEL

O dia é quente amarelo em uma praça quente e cinza. O telefone firme apesar da mão em descompasso. Os lábios tensionados enquanto observa a movimentação na rua e tenta ouvir com atenção o que ele diz: estou tendo uma vida de trabalhador normal. O coração afunda no mediastino, esvai-se e degenera entre os outros…

às vezes te encontro nos meus sonhos

Às vezes te encontro nos meus sonhos os olhos aguados em metamorfose com muitos outros. Há sempre algo de essencialmente errado na sua aparência. Algo que não se conforma com a realidade. (Oito anos. Onze anos. São fendas no tempo). Pareço mais nova do que há oito anos. Infinitamente criança-artista. Em busca da infância que…

ÀS VEZES TE ENCONTRO NOS MEUS SONHOS

Às vezes te encontro nos meus sonhos os olhos aguados em metamorfose com muitos outros. Há sempre algo de essencialmente errado na sua aparência. Algo que não se conforma com a realidade. (Oito anos. Onze anos. São fendas no tempo). Pareço mais nova do que há oito anos. Infinitamente criança-artista. Em busca da infância que…

A pintura do quarto do silêncio

Sua figura é lírica e transparente, talvez levemente diáfana. Seus tons são de azul e verde — mas são cores percebidas como percebemos a luz da manhã. Acorda, os olhos confusos, o cabelo no rosto. Ela está nua e o corpo flutua nos lençóis brancos. É como se pairasse, como se não pudesse encostar na…

Adio o momento de escrever

Adio o momento de escrever. Escrevo dentro de mim (pensamentos às vezes escrevem). As palavras no papel precisam esperar essa coisa qualquer germinar primeiro aqui dentro, minha terra úmida de palavras. A palavra é uma pedra. É duro chegar ao âmago do sentido, entender o que ela precisa dizer, criar. Não é estranho que a…

Vladimir Nabokov — A biography of European years

Son of Vladimir Dmitrievich Nabokov, a liberal politician, and Elena Ivanovna, Vladimir Vladimirovich Nabokov was a novelist, poet and lepidopterologist who was born on April 23rd, 1899, in St. Petersburg, Russia. The oldest of five children in an aristocratic family, the young Nabokov learned and spoke three languages at home — English, French and Russian. He…

Voltei a pensar que quero morrer

Balthus, Coffee cup Todo dia sinto uma corrente elétrica de ansiedade percorre as articulações. Todo dia a respiração é difícil e a angústia torna insuportável o sustentar do meu corpo. Corpo que é poeira sustentada por panos, indo e vindo dentro do apartamento. Vou me encolhendo como num casulo de lençóis e travesseiros. Minha cama…

O tempo é Agora

O tempo é Agora. Instante que se expande em todas as direções. A xícara que se parte e não encontra retorno. Tempo é o Já. O passado é memória, criação nossa. O futuro, Hawkings me disse que existe, mas não sei explicar. Simplesmente é. Não me inclino sobre o que vem. Tudo é imaginação. O que…

Você, sem nome

Eles não se conhecem. Dentro da casa, não se conhecem. Quando ela entra, a sala está escura. É dia, mas as cortinas estão cerradas. De pé, ele está encostado na parede mais distante da porta. Nada dizem. Ela se senta na cadeira. Está cansada da viagem longa. Tem sede, mas suas pernas pesam. Teria de…

Como, pai, nasce um poeta?

Como, pai, nasce um poeta? Meu pai foi quem primeiro me ensinou a amar a poesia e a ter os poetas ao redor dos ouvidos. Queria infinitas as histórias murmuradas na boca da infância (escrevi antes de escrever). Achava tão sábios os poetas, como podiam de palavras pequeninas lavrar sentimentos grandes. Mas eu me rebelei…

Ao sair da Rússia

É como se agora, depois de ter vivido a Rússia, pudéssemos quase compartilhar de uma mesma nostalgia – não a mesma Rússia, não a mesma nostalgia. No inverno, presenciei um verão nabokoviano em Rojdestveno, quando as folhas marrons se camuflaram em borboletas a voar no campo seco e com resquícios de neve. Na casa do…

Verão de 21

Para Marguerite te encontro na praia no meio-de-qualquer-coisa nosso sempre encontro na cidade sem tempo lugar do mar você com seu martini (é sempre verão tem sempre martini e sempre silêncio) tento atravessar a areia, mas o vento e a chuva arrastam meu corpo para longe gaivota que luta para voar num filme rodado de…

COLAGISTA DA TRAGÉDIA

Eu imaginava a vida assim, ligeiramente diferente. Não feliz. Ainda triste, mas uma tristeza outra, dentro da minha escolha de sofrer. Vida alegre nunca fez sentido para mim. Vida alegre era coisa impossível, fora mesmo da imaginação. E o que você imaginava. Imaginava o amor. Um amor sofrido, é claro. Mas é melhor que o…

JOGO AS PALAVRAS PELA JANELA PARA NÃO MORRER

Aproveito minha solidão para escrever             E tentar não morrer             E tentar não morrer             Prendo a respiração para não morrer             Não morrer             Não morrer             Aproveito minha solidão para escrever. Uma carta, que é um e-mail, me diz no assunto: o suicídio é a única morte não prematura. Todas as outras…

Ser o que se é

Exercício difícil: dizer o que se é. O que sou? Palavra enorme. O que cabe dentro de uma biografia? Não sei. Todas as definições me assustam. Só sei que escrevo. É assim: sempre escrevi. Escrevi antes mesmo de saber escrever. Inventava histórias na boca da infância. Narrativas e personagens infindáveis que, com meu crescimento, foram…

Casulo

Mais um poeta morto, Laura. Mais um corpo suspenso. As palavras interrompidas na traqueia. Um tiro na cabeça, foi assim. Vazio, vazio. Morrer é tão simples. Morrer é tão fácil. Existir é tentar andar com grilhões de cem quilos nos pés. Existir é tão duro. Me encolho como crisálida nos lençóis, pronta para me tornar…

Por que eu escrevo?

Eu evitei essa pergunta muitas vezes, porque sabia que, para respondê-la, eu teria de retornar ao âmago da infância. Eu sempre li muito. Minha história é também a história dos livros que li: não consigo me lembrar de mim sem um livro na mão. Dentro da infância também houve o silêncio. Um silêncio enorme. Aos…

Minha amiga B.

B. era minha melhor amiga. Eu não me lembro do seu rosto. Mas, eu me lembro de seu cabelo crespo trançado, da textura de suas mãos e de como ela parecia pequenina em sua cadeira de rodas. Ela me disse que era paraplégica porque uma tartaruga tinha mordido seu pé na praia. Eu não sabia…

Não escrever seria morrer

Anna Tsvell. Thirst. 2020. Minhas anotações entremeiam meus pensamentos para o mundo. Eu queria que meus pensamentos fossem a tinta que escorre da caneta para o papel, mas não são. O pensamento é qualquer coisa possível só dentro de mim. Eu amo esta palavra: impossível. Eu moro perto da estação de trem e a forma…

OS QUEBRA-CABEÇAS DE VLADIMIR NABOKOV: Por que as referências em Lolita importam?

Recentemente foram veiculadas notícias sobre um caso real que supostamente teria inspirado Nabokov a escrever Lolita: o sequestro da jovem Florence Sally Horner, em 1948. Citada explicitamente uma única vez ao longo do romance, Sally teria mesmo sido a grande inspiração do autor? “I just like composing riddles with elegant solutions [eu apenas gosto de compor…

MIRAMAR

Publicado originalmente no Medium Eu estou sentada na beira de uma praia fria e vazia. O vento agita os mares ou os mares se agitam com a chuva. É uma praia sem tempo. É o lugar do mar. O lugar sem Tempo no vazio branco do mar. O vazio branco do mar e o cinza…

MIRAMAR: O álcool no lugar de Deus

Publicado originalmente no Medium Cidade vazia do mar cinza Do céu cinza cidade vazia Miramar Miramar cidade sem tempo Cidade do mar Cidade sem tempo onde Marguerite — mar Toma mais um gole da sua bebida a mar ga Amor ferido O álcool no lugar de Deus Miramar e sua areia de pedras cinzas Do…


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